Por que nossas leis são tão ruins e inaplicáveis?
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Contrariando a consagrada frase “faça uma lei apenas se estiver disposto a morrer por ela”, o Brasil tem incríveis mais de 200 mil leis. No entanto, a aplicabilidade delas é reduzida, estimulando a criação de novas legislações: um levantamento apontou que, em média, são criadas 18 novas leis por dia no país. Muitas são inconstitucionais, outras “não pegam” e parcela considerável gera consequências perversas e destoantes das intenções iniciais. Mas, afinal, por que tantas leis e por que elas são tão ruins e “doidas”?
Inicialmente, vale dizer que a maioria dos Projetos de Lei (PL) é produzida sem se analisar se respeitam ou não os princípios constitucionais. Após sancionadas, cria-se uma problemática, pois passa a ser necessária uma análise do Judiciário para declarar sua inconstitucionalidade. Isso criou uma rotina em tribunais para descartá-las, sendo mais um ingrediente dentro de um universo com mais de 100 milhões de processos em tramitação.
Muitas outras leis sancionadas não se encaixam à realidade social pela centralização de poder e pela distância dos legisladores do cotidiano das pessoas, contribuindo para a criação de “leis que não pegam”. Entre elas, temos a lei que obriga o uso de cinto de segurança em ônibus rodoviários, a lei que regulamenta os flanelinhas, que precisam se cadastrar no Ministério do Trabalho, ou a norma que obriga ciclistas a terem em suas bicicletas campainha, refletores e espelho retrovisor. Você, leitor, provavelmente não conhecia essas leis, justamente porque “elas não pegaram”. Igualmente comum é a criação de leis sem qualquer relevância, como as que tem finalidade de homenagear carreiras.
Entrementes, a culpa não é apenas dos políticos: nós também somos culpados, como aponta a Teoria da Escolha Pública. Há um senso comum entre os brasileiros de que quanto mais PLs apresentados e mais Leis aprovadas por um vereador ou um deputado, mais produtivo ele é. Rankings elaborados por mídias colocam isso como um indicador de produtividade, estimulando essa crença. Embora a quantidade de leis aprovadas possa ser um termômetro para medir o protagonismo do parlamentar (se ele consegue influenciar seus pares), não há relação entre muitas leis aprovadas e um bom mandato, até porque o legislador também tem função de fiscalizar o Poder Executivo.
Além da quantidade, a qualidade das leis é outro ponto a ser considerado: a maioria é inconstitucional, principalmente na esfera estadual (estima-se incríveis 80%). Isso se deve à falta de assessoria qualificada, não tendo em sua equipe bons profissionais do direito e economia, cruciais para elaborarem estudos.
Um caso já clássico que muitos lembram foi a resolução do kit de primeiros socorros. Em 1999, os motoristas brasileiros foram obrigados a correr às lojas para adquirir um, conforme determinação do Contran. A norma foi revogada em poucas semanas, e os milhões de estojos perderam a utilidade. Caso houvesse um estudo precedente à publicação da norma, certamente a conclusão seria a de que ela não atendia à demanda provocada por um acidente.
E os exemplos não param: um Projeto de Lei que prevê castração química para estupradores é aclamado por muita gente, no entanto, especialistas afirmam que a proposta não é efetiva, tampouco eficiente. Outro PL, pretendendo diminuir acidentes de trânsitos, propõe a proibição de uma pessoa alcoolizada se sentar no banco do carona. Novamente, sem nenhuma análise preliminar: nem mesmo os autores da lei sabem precisar a eficácia dela. Em outras palavras, não se sabe qual o percentual de acidentes que ocorreu no ano anterior que teve como causa a perturbação provocada por caronas embriagados aos motoristas. Mas, mesmo assim, tal projeto de lei foi proposto e encontra-se em fase de tramitação no Congresso.
Toda essa problemática aumenta consideravelmente os custos de transação e o Custo Brasil , porquanto as empresas são obrigadas a contratar escritórios jurídicos especializados, encarecendo seus serviços e produtos. O resultado é um estado de frequente insegurança jurídica, colaborando com o panorama brasileiro, que ocupa o 130º lugar no ranking de segurança jurídica elaborado pelo Banco Mundial.